Biografia do autor

Nascido em 87, Nuno Dias Madureira é um idiota carismático. Com um leque variado de interesses, este jovem desenha impressionantes e meticulosos retratos, capazes de competir com as obras de uma criança de oito anos. Desde cedo se interessou pela escrita, plagiando com mestria vários trabalhos na escola. Actividade que viria a aperfeiçoar nos tempos de faculdade. Actualmente frequenta o mestrado Novos Media e Práticas Web na UNL, pelo que já recorre aos seus profundos conhecimentos de HTML e CSS sendo, nomeadamente, capaz de centrar uma imagem recorrendo ao código. No entanto, é no cinema que Nuno deposita as suas esperanças. Lynch, Godard, Jarmusch e Tarkovsky são algumas das referências do aspirante a realizador que nunca pegou numa câmara de filmar, e provavelmente nunca o fará

5.2.09

Desenhos e preconceitos


Ontem fui até aos armazéns do chiado para desenhar um bocado. Sentei-me e continuei o meu desenho. Passado um bocado (estava eu desligado do mundo graças aos meus ricos fones) reparo que estava uma pessoa mesmo ao meu lado, de pé a olhar para as minhas pinturas. Era um rapaz preto e alto, com roupas sujas e largas, e de capucho na cabeça. De imediato penso para mim; pronto, lá vem este gajo chatear-me. Tiro os fones do ouvido e viro-me para ele.

- “Posso ver?”
- “Podes.”
- “Gosto da tua cena”
- “Ah.. é um bocado estranho mas é a falta de jeito…”
- “Ah népia man. Tem personalidade. Nunca tenhas vergonha da tua própria arte. Queres ver a minha arte?”

Nisto ele tira o capucho e reparo que tem um olho completamente fechado e inchado, e um dente a menos. Ele pergunta se dá para se sentar e eu digo que sim, sem dar muita confiança e mantendo o meu cepticismo. De seguida pede-me umas moedas e eu dou-lhe um euro. Já estava à espera, pensei eu. Questionei-me ainda se ele me iria tentar roubar alguma coisa. Ele agradece e deixa o euro em cima da mesa. Achei estranho mas continuei a desenhar.

Pouco depois (e para minha surpresa) o rapaz pergunta se pode, também ele, fazer um desenho. Eu dou-lhe uma folha branca e um lápis.

Ficámos os dois ali vinte minutos a desenhar em silêncio. Ele acaba, assina e escreve qualquer coisa (que não consegui perceber), dá-me o desenho e diz:

“Toma. É para ti. Gostas?”

Tinha feito um graffiti em que se conseguia ler Tang (de Wu Tang Clan) pintado a preto e com contornos vermelhos.

Eu sorri e disse que gostava. Ele levanta-se, pega no euro e pergunta, “Posso?”. Acenei que sim com a cabeça e, antes de se ir embora, o intrigante rapaz diz: “Agora sim, acho que posso levar o teu euro. Obrigado.”

E foi-se embora.

Eu continuei a desenhar. Pouco depois parei e pus-me a pensar. Mas que atitude. O gajo que estava num estado lastimável, pede-me umas moedas e em vez de se ir embora, como seria normal, sentou-se a fazer um desenho para me oferecer. E eu não consegui ser minimamente simpático ou receptível.

Senti-me um atrasado mental. Que merda de preconceitos são estes? Em que julgamos de tal maneira as pessoas pela sua aparência que não lhes damos a mínima chance à partida? Nem a chance da dúvida? Ele teve uma atitude humilde e mostrou dignidade, e no entanto, eu não descansei até que ele se tivesse ido embora. Saí revoltado dos armazéns. Guardei o desenho dele no quarto e pensei que, se o visse outra vez, convidá-lo-ia para se sentar a desenhar mais um bocado.

3 comments:

Anonymous said...

Concordo em absoluto (e em pleno) com o que li. Mas não te sintas um "atrasado mental": disso podemos classificar (penso eu!) aqueles que têm o 'preconceito' e o convertem, de imediato, em 'conceito'; E, pelos vistos, tu assim não fizeste.

(Confesso que há já algum tempo que algo não me despertava a vontade de pensar, de reflectir; De escrever.
Obrigada!)

Jessica e André said...

Há uns anos, a caminho da faculdade, um tipo estranho pediu-me dinheiro para um bilhete. Eu, contra tudo aquilo que habitualmente faço (que é seguir em frente sem qualquer tipo de remorsos por não dar dinheiro a gajos agarrados) dei-lhe um euro. O homem, que percebi depois ser estrangeiro e estar completamente perdido e sem dinheiro na cidade, pediu-me que esperasse, e tirou duma pasta nojenta uma linda aguarela, como agradecimento, que guardo religiosamente entre os meus tesouros pessoais.
A vida as vezes tens destas merdas, que nos faz sentir isso mesmo, uns atrasados mentais montados no cliché de sermos tolerantes, porreiraços e livres pensantes, mas afinal somos tão somente iguais a todos os outros, com medo de pessoas que cheiram mal e que precisam do nosso dinheiro seja para o que for.

Desculpa a invasão; caí por acaso no teu blog e o teu post lembrou-me a minha historia.

Um beijinho.

João said...

:)